Andei a procurar textos acerca do ciúme, e encontrei este que gostei particularmente. Está sucinto, simples e pragmático. Eu não sofro desta enfermidade, mas conheço quem sofra, e imagino que não seja fácil, tanto para o “opressor” como para o “oprimido”. É um tema sobre o qual vale a pena reflectir. Como só tenho alguma experiência (pouca) do lado do “oprimido”, não me sinto com capacidade para fazer uma reflexão séria do ponto de vista do “opressor”, mas deixo aqui a deixa para quem quiser comentar acerca do tema. É um tema muito interessante.
“Tenho acompanhado vários casos de ciúme patológico no consultório, e me chama a atenção o fato de as pessoas deixarem para procurar ajuda apenas quando são alertadas por um profissional da área da saúde, geralmente psicólogo ou psiquiatra. Aqueles que sofrem com o cíume do parceiro acham que esse comportamento faz parte do jeito de ser da pessoa, incomodam-se com as cobranças e controle a que são submetidos, porém não fazem ideia de que isso possa ser sintoma de uma doença, e como tal, deve ser tratado.
O que é o ciúme?
Basicamente, ciúme é o medo de perder alguém amado para uma terceira pessoa. Segundo Ballone, o ciúme normal é transitório e baseado em fatos. O maior desejo é preservar o relacionamento. Algumas pessoas o encaram como prova de amor, zelo ou valorização do parceiro. Outros o consideram uma prova de insegurança e baixa autoestima.
Ciúme doentio
Já no ciúme patológico há o desejo inconsciente da ameaça de um rival, assim como o desejo obsessivo de controle total sobre os sentimentos e comportamentos do outro. Caracteriza-se por ser exagerado, sem motivo aparente que o provoque, deixando o ciumento absolutamente inseguro e transformando-o num tremendo controlador, cerceador da liberdade do outro, podador de qualquer atividade que o parceiro queira fazer sem que ele esteja presente.
Dúvidas se transformam em ideias supervalorizadas, levando a pessoa a checar, verificar se ela tem fundamento. Checa celulares e ligações recebidas constantemente, quer saber quem enviou mensagens, que e-mails recebeu e por qual motivo, com quem falou e sobre o que, onde está e a que horas voltará, quem são os amigos e porque os têm; acha que se a pessoa se arruma para sair, mesmo que seja para o trabalho, está "se arrumando para encontrar o amante"; se há algum atraso é motivo de brigas e questionamentos intermináveis; e por mais que tente aliviar seus sentimentos, nunca estará satisfeito, permanecendo o mal estar da dúvida. Enfim, a vida a dois transforma-se num verdadeiro martírio.
A maneira errada de lidar com o ciúme
Quem sofre os "ataques" do parceiro alimenta-o sem saber à medida que concorda em submeter-se ao que o outro pede. Por exemplo: se, ao ser questionado sobre quem lhe enviou e-mails, mesmo no trabalho, ele responder, der satisfações, o outro se sentirá no direito de fazê-lo sempre, agindo dessa forma cada vez mais incisivamente.
As brigas tornam-se frequentes e o clima de tensão impera na relação, já que qualquer coisa é motivo para reacender o ciúme. Porém, há momentos de total tranquilidade intercalados a estes - geralmente quando estão juntos, fazendo algo que distraia a atenção do ciumento - o que deixa a "vítima" do ciúme confusa, tirando a vontade de abandonar a relação que muitas vezes é tentadora.
Quando você vive em uma família cujas características principais são o controle, o cuidado excessivo, o zelo e preocupação com os filhos, cresce achando que assim deve ser, pois esse foi o modelo aprendido.
Mas afinal quem é a vítima aqui? Aquele que sofre com as cobranças e vive numa verdadeira prisão ao lado de alguém possessivo e controlador ou este, que vive em constante tensão e desconfiança, perdendo por completo sua tranquilidade perante a vida em função de algo que o consome? Diria que ambos são vítimas e necessitam cuidados, cada um em seu contexto. Aquele que convive com o ciumento deve aprender a colocar limites, não alimentando a dinâmica doentia do parceiro, e não deixando de fazer suas coisas ou falar com seus amigos só porque o outro quer.
Ele acaba cedendo às pressões para evitar brigas, o que lhe parece mais fácil, mas o resultado é catastrófico, pois quando menos imaginar perceberá o quanto está agindo em função do outro e se deixando de lado, submetendo-se, anulando-se por completo. E o pior: nada satisfaz ao parceiro, que vai exigir sempre mais, pois, como já foi dito, a sensação da dúvida permanece.
A maneira certa de lidar com o ciúme
Em sua terapia procure entender porque se deixa dominar por alguém que lhe cerceia por completo, aceitando abrir mão de seu direito e liberdade de relacionar-se com as pessoas e com o mundo. Já o ciumento deve procurar ajuda psicoterapêutica e medicamentosa, pois o tratamento abrange tanto o lado emocional quanto o físico. É uma doença tratável à base de antidepressivos, que aliviarão e muito os sintomas, devolvendo à pessoa a liberdade de viver. A psicoterapia paralela à medicação é fundamental para que se trabalhem questões profundas ligadas ao aparecimento do ciúme, geralmente envolvendo dinâmicas familiares complicadas, insegurança e autoestima baixa, entre outras. Nunca tome medicação por conta própria, sempre consulte o médico antes de optar pelo tratamento medicamentoso.
Uma grande dificuldade que encontramos ao lidar com essas pessoas é que em muitos casos tal comportamento foi aprendido com o pai ou a mãe, também ciumentos, passando a falsa ideia de que esse jeito de funcionar é o normal. Quando você vive em uma família cujas características principais são o controle, o cuidado excessivo, o zelo e preocupação com os filhos, cresce achando que assim deve ser, pois esse foi o modelo aprendido.
Porém, ao deparar-se com um(a) namorado(a) que não viveu essa dinâmica, o ciúme começa a se manifestar, denunciando a presença da doença. Como convencê-lo a se tratar se a própria família não considera seu comportamento "fora do padrão", muitas vezes boicotando a continuidade do tratamento? Aqui entra a importância de uma terapia familiar acontecendo paralelamente ao tratamento individual, para que cada um possa reconhecer sua parcela de responsabilidade no problema e juntos, se comprometam a resolvê-lo.
É preciso reaprender a relacionar-se sem o controle e libertar-se da angústia da dúvida para experimentar o prazer de um relacionamento "saudável", onde ambos possam compartilhar momentos de tranquilidade, sem ter que abrir mão de sua individualidade ao mesmo tempo. Isso é possível, basta querer.”
Marina Vasconcellos Psicóloga