Na sequência dos comentários e mails que tenho recebido em relação ao tema BDSM , decidi escrever uma reflexão que possa dar uma ideia geral assim como o meu posicionamento em relação a este tema.
Para começar será necessário dar algumas explicações prévias, e algumas definições que me vão simplificar a comunicação.
BDSM é o acrônimo para Bondage e Disciplina, Dominação e Submissão, Sadismo e Masoquismo.
Bondage é um tipo específico de fetiche, geralmente relacionado com o BDSM, onde a principal fonte de prazer consiste em amarrar e imobilizar seu parceiro ou pessoa envolvida. Pode ou não envolver a prática de sexo com penetração.
Disciplina, no âmbito do BDSM, significa obediência ou castigo na falta dessa obediência. Significa também instruir, educar, treinar e está ligado à disposição da/o submissa/o seguir os ensinamentos e as regras de comportamento que o seu dominador lhe quiser impor.
Dominação e submissão são práticas diretamente ligadas ao acrônimo BDSM. Esse tipo de comportamento pode ser classificado como parafilia (comportamento sexual que pode ser considerado perversão ou anormalidade) por algumas pessoas. Também conhecido como D/S , é a forma de se denominar uma relação desigual estabelecida entre duas pessoas, onde todo o poder é dado ao dominante e cabe a parte submissa obedecer de livree e espontânea vontade, realizando tarefas e obedecendo ordens que podem ou não ter conotação sexual.
Sadismo sexual é uma tendência oposta e complementar ao masoquismo, e envolve actos (reais, não simulados) nos quais o indivíduo retira excitação sexual do sofrimento psicológico ou físico (incluindo humilhação) do parceiro.
Masoquismo sexual, é uma tendência oposta e complementar ao sadismo. É uma tendência ou prática, pela qual uma pessoa busca prazer ao sentir dor ou imaginar que a sente, ou ter prazer com a humilhação verbal. Uma relação onde as tendências sádicas e masoquistas se complementam é denominada de sadomasoquista.
O BDSM tem como objectivo o prazer sexual através da troca erótica de poder, que pode ou não envolver dor, submissão e tortura física ou psicológica. Por padrão, a prática é provocada pelo(a) Dominador(a) e sentida pelo(a) Submisso(a).
Muitas das práticas BDSM fora do contexto sexual, são consideradas, desagradáveis ou indesejadas. Por exemplo, a dor, a prisão, a submissão, a humilhação e até mesmo as cócegas são, geralmente, infligidas nas pessoas contra sua vontade, provocando essas sensações desagradáveis. Contudo, no contexto BSDM, estas práticas são executadas com o consentimento mútuo entre os participantes, levando-os a desfrutarem mutuamente desse prazer.
O conceito fundamental sobre o qual o BDSM assenta, é que as práticas devem ser SSC (São, Seguro e Consensual). Atividades de BDSM não envolvem necessariamente a penetração mas, de forma geral, o BDSM é uma atividade erótica e as sessões geralmente envolvem sexo. O limite pessoal de cada um não deve ser ultrapassado, e para interromper a sessão/prática, é utilizada uma safeword (palavra de segurança) que é pré-estabelecida entre as partes.
Os praticantes de BDSM, chamam ao sexo convencional, sexo baunilha.
Quando somos jovens e nos iniciamos na nossa vida sexual, percorremos um caminho. Começamos pelos namoros apenas com beijinhos, depois apalpões e por aí adiante até chegarmos ao sexo oral e sexo com penetração vaginal e anal. Tal como no sexo baunilha, o BDSM também tem vários níveis de intensidade, que pode ir do mais suave, como umas tapas no rabinho ou puxões de cabelos, até ao mais duro que pode atingir níveis extremos de dor, como a utilização de agulhas ou mesmo pregos e cortes no corpo. Há pessoas que mantêm sempre as práticas que mais gostam, e há outras que vão subindo na intensidade ou agressividade das práticas, na procura de superar os seus próprios limites. À medida que esses limites vão sendo superados, a tendência é ir progredindo na busca de novos limites.
Convém lembrar que o prazer provoca a libertação de substâncias analgésicas muito fortes no nosso cérebro, e isso explica a forte tolerância à dor de quem está a sentir prazer. Quando se está a ter prazer, fica-se anestesiado e as práticas que pensamos provocarem dor intensa, na realidade não provocam porque a dor está atenuada pelo prazer.
Há muitos motivos, tanto físicos como psicológicos para se ter prazer com as práticas de BDSM. Esta motivação é diferente de pessoa para pessoa, e ainda pode ser uma junção de várias motivações. Muitas pessoas vêm a dor como um potenciador do prazer. Através da minha experiencia e de conversas que tive com pessoas que têm prazer com as práticas BDSM, posso revelar algumas dessas motivações.
A motivação mais comum e que está presente em quase todas as práticas de BDSM é o facto de se ter prazer em dar prazer de forma geral, ou a uma determinada pessoa de quem se gosta e a quem se quer agradar. Uma pessoa submissa tem prazer em se entregar às vontades de uma outra que tem prazer em abusar e dominar sexualmente de outra pessoa. Embora o BDSM não implique penetração e sexo explícito, tem sempre uma vertente sexual pelo facto de dar prazer. Para mim o BDSM não faz sentido sem sexo.
Há outro tipo de motivação, que é uma pessoa gostar de experimentar situações extremas e superar desafios. Pôr-se à prova, sentir que consegue aguentar a tortura e sentir que consegue superar os limites. Para muitas pessoas submissas ou mesmo escravas, é uma motivação muito forte a satisfação de ter conseguido executar uma tarefa que à partida lhe parecia muito difícil ou dolorosa de concretizar. Para certas pessoas, o superar desses obstáculos faz elevar a auto-estima.
Tal como muitos pedófilos que foram abusados sexualmente na sua infância, e acabaram por desenvolver o gosto por essas práticas, algumas pessoas podem desenvolver um certo prazer em serem castigadas ou em castigar, pelo facto de terem sido castigadas na infância em determinadas alturas do seu desenvolvimento sexual. Uma criança que é açoitada repetidamente tem tendência para sua própria defesa a criar mecanismos que minimizem a dor, ou até mesmo a erotizar a dor. Se quem castiga a criança, também sentir prazer em castigar e fizer disso um ritual sádico, é natural que essa criança mais tarde sinta prazer com algumas destas práticas sado-masoquistas.
Há pessoas que sentem que merecem castigo ou ser torturadas, porque se portaram mal de alguma forma. Sentem remorsos por terem feito mal a alguém ou a animais, praticaram actos condenáveis, e encontram na dor, no castigo e na punição um certo alívio no peso da consciência. Há quem ache que mereça ser castigado, por ser gordo, ou por fumar, ou por se ter “portado mal” de alguma forma.
Há também explicações fisiológicas para se sentir prazer na dor. Li um artigo numa revista científica que explicava que a zona do prazer e da dor no nosso cérebro estão muito próximas. Se houver alguma deformação congénita ou se por alguma razão se desenvolverem ligações nervosas entre estas duas zonas do cérebro, é possível sentir prazer na dor, e vice-versa. Já me aconteceu mais que uma vez, sentir uma dor de cabeça (tipo enxaqueca) que vai crescendo muito rapidamente quando estou prestes a atingir um orgasmo, que se torna quase insuportável no momento da ejaculação, e que diminui rapidamente após a ejaculação, e desaparece completamente passados alguns minutos. Depois de pesquisar no Google (dor de cabeça no orgasmo) descobri que é uma característica que afecta cerca de 0,4% da população, que se chama “cefaléia orgásmica benigna” e que ainda não se sabe bem o que a provoca, mas que não é perigosa nem denuncia qualquer tipo de problema grave. Este exemplo prova bem as ligações neurofisiológicas que existem entre o prazer a dor.
Há quem goste de ser torturado e açoitado, também para sentir o alivio do depois. Durante as práticas, debatem-se, gritam e choram, o que provoca a libertação do stress, sentem um cansaço prazeroso, e no pós práticas lhes dá uma estranha sensação de paz, parecida com a paz que sentimos depois de fazer exercício físico ou depois de uma noite a dançar.
Haverão mais motivações para se ter prazer com as práticas de BDSM, mas o importante a termos em conta, é que sejam elas quais forem, são motivações do foro intimo de cada um, e desde que sejam praticadas de livre vontade, não devem ser práticas discriminadas por quem não partilha dos mesmos gostos.
Eu não discrimino nem acho que seja um comportamento parafílico ter prazer com as práticas de BDSM, como também não discrimino quem não tem prazer com essas práticas. Cada um de nós tem o direito de viver a sua sexualidade como lhe dá mais prazer, e ninguém tem o direito de discriminar, já que é uma opção livre de cada um de nós.
Para mim, violência no sexo não está ligada às práticas, mas sim à falta de consentimento ou vontade de quem sofre essas praticas. Qualquer tipo de sexo que seja praticado contra vontade de algum dos intervenientes, é sempre violento. Da mesma forma, qualquer prática que seja desenvolvida com o consentimento, vontade e desejo dos intervenientes nunca é violento, pelo menos no sentido depreciativo do termo, já que é uma violência consentida e desejada. São “mimos” infligidos com todo o prazer e carinho, a quem gosta deste tipo de “mimos”.
Eu gosto de todo o tipo de sexo, desde que dê prazer a todos os envolvidos. Gosto de sexo baunilha, com meiguice e carinho, gosto de sexo mais selvagem, gosto de dominação e submissão e de algumas práticas de BDSM. Gosto essencialmente de sentir que a parceira confia em mim, e se entrega totalmente às minhas vontades. Como o que me dá prazer é sentir o prazer da parceira, moldo-me bem aos desejos e vontades de quem está comigo, praticando o tipo de sexo que lhe dê mais prazer e respeitando sempre os seus limites.
Sendo eu um homem meigo e carinhoso por natureza, é curioso como consigo e gosto de ser abusador e castigador se encontrar parceira que goste de ser dominada e abusada sexualmente. Como tenho parceiras para todo o tipo de sexo, não preciso impor nenhum tipo de sexo que não seja desejado por uma determinada parceira.
Sexo é dar e receber, é partilhar o prazer, e será tanto melhor, quanto mais se complementarem as partes envolvidas. É como uma dança, em que os envolvidos se devem coordenar para voar no mesmo sentido.
xarmus